[Treinos] Shikaya

Volto mais tarde, estou indo treinar. — Shikaya obteve o silêncio como resposta, apesar de ter plena ciência de que sua mãe estava acordada. Deu um suspiro, por fim, antes de deixar a habitação. Girou a chave duas vezes sobre a porta de madeira, certificando-se de que a havia trancado. A passos lentos, como se procurasse aproveitar mais a caminhada do que o treino propriamente dito, começou o trajeto que a levaria até o Campo de Treinamento. Seria o primeiro treinamento a estar realizando desde a morte do pai e, por mais que doesse admitir, a garota acreditava que exercitar-se talvez, só talvez, diminuísse a quantidade de pensamentos que inundavam sua cabeça.

Chegara no Campo de Treinamento. O verde se encontrava em qualquer direção que desviasse o olhar: árvores, grama, até um pequeno lago cuja água tinha coloração similar ao ambiente que lhe cercava. ' Bem, o verde representa a esperança. ' Um sorriso cabisbaixo se formou a partir da bochecha esquerda, desaparecendo após alguns poucos instantes. — Certo, hora de começar. — Shikaya juntou uma perna à outra, deixando que as solas de seus sapatos deslizassem pela grama até que ambos os tornozelos estivessem unidos. Os braços giraram cento e oitenta graus ao redor de seu eixo, de forma que agora ambos os palmos estivessem voltados para fora. Sem aviso prévio, começou a pular, realizando polichinelos.

Para outros shinobi, talvez o simples treinamento efetuado por Shikaya não rendesse grandes frutos. Contudo, no caso da Genin - uma garota franzina, cujo desenvolvimento aeróbico beira o nulo - era absolutamente diferente. O ato repetitivo de pular afastando as pernas, simultaneamente a unir os palmos acima da cabeça, era o tipo de prática que seu corpo não estava acostumado. Poucos minutos após ter iniciado o exercício já era capaz de sentir a fadiga se apoderando do corpo. A camisa escura estava encharcada com o próprio suor. O rosto também parecia estar sofrendo os efeitos do treinamento: as madeixas, outrora esvoaçantes, prendiam-se cada vez mais na testa da garota à medida que realizava os sucessivos pulinhos verticais.

Engana-se quem pressupõe que a fadiga apenas atingiu Shikaya na parte exterior do corpo. Na verdade, a parcela interior era a que mais sofria com a dinâmica de treinamento da garota. O coração deixara de lado o arranjo rítmico normal, cedendo lugar a batimentos desordenadamente rápidos, como se a garota lhe tivesse desafiado a bombear sangue para o resto do corpo com a maior precisão possível. E, orgulhoso como era, o coração continuou desempenhando sua função obedientemente. Sentia algumas pontadas no lado direito da barriga, mas acreditava que isso se devia ao longo período em inatividade. " Sede.. Droga. " Talvez o que mais alarmasse a garota era o fato de sua garganta estar ressecada. Tentava, com todas as forças, puxar com a língua o suor que escorria pela epiderme, a fim de beber nem que fosse uma mísera gota de água. Por que a garota simplesmente não cessava o treinamento? Afinal, bastava com que parasse de pular, não? Ninguém a julgaria, não havia uma única entidade viva no local. Ninguém caçoaria de seu fracasso.

Mas as coisas não são tão simples assim. Você e eu, ambos sabemos que desistir é muito difícil quando você está se testando. Ainda mais quando você é o único que se preocupa com sua evolução. E Shikaya pensava de forma semelhante. Apesar dos movimentos retardados, do fato de seus pés saírem poucos centímetros do chão e - não menos importante - apesar da sede, a garota continuava saltando. De cima para baixo, de baixo para cima. Os braços moviam-se sem muita graça, como se a garota já não mais aguentasse o movimento repetitivo de polichinelo.

Enfim cessou. Não porque queria, mas porque mal era capaz de sentir as panturrilhas. Sentou-se sobre a grama, caindo com o traseiro ao invés de um pouso suave. — Argh, droga... — Passou as mãos por ambas as panturrilhas, massageando-as levemente tendo como intuito apartar ligeiramente a dor. Alguns minutos - quinze, para ser mais exato - depois a maior parte da dor havia se esvaído, mas a sede ainda tomava conta de sua garganta. Locomoveu-se, sem pressa, até o pequeno lago de água verde ali perto. — Bem, espero não passar mal. — disse, vendo o próprio reflexo verdolengo sobre a água. Respirou fundo antes de enfiar a cabeça dentro da água. Não só lavou o rosto como também bebera uma grande quantidade da mesma. ' Ah, bem melhor. ' Seu corpo ainda doía, sem dúvidas. Contudo, a alma parecia ter se renovado.

Levantou-se, fazendo-se necessário que apoiasse as mãos nos joelhos para tal. — É uma pena... — começou. — Ainda aguento treinar um pouco mais. — Shikaya só aceitava retornar à sua casa quando estivesse tão cansada ao ponto de só poder rastejar. Visivelmente não havia chegado a esse ponto...ainda. Uma visão mais minuciosa indicaria que, na verdade, a garota estava quase em seu limite.

Respirou fundo, puxando o máximo de ar possível para dentro do arrebitado nariz. Dera continuidade ao treinamento, realizando os mesmos saltos que antigamente, só que agora com mais vontade do que antes. Da mesma forma que um cavalo puxa uma carroça mais rápido quando se aproxima do destino, mais intensidade Shikaya colocava em seus movimentos à medida que o tempo passava. Consequentemente, a dor também aumentava. ' É, achei...achei que eu fosse mais resistente, heh. ' As dores retrocederam mais velozmente do que a garota havia suposto e, por mais que odiasse admitir, havia chegado em seu limite. Ao menos o suor que escorria pelo corpo e as dores nos mais variados músculos indicavam que Shikaya havia lutado com louvor. Se havia ou não melhorado seu condicionamento físico, isso é algo que a garota decidiu postergar. Estava muito cansada para pensar em "se, caso". Ao invés disso, preferiu simplesmente cessar o treino, parando-o subitamente. — Estou ótima. Achei que ficaria mais cansad-

Caiu com o torso na grama macia, acariciando-a com as mãos enquanto fechava os olhos lentamente. Estava cansada, acreditava merecer um pequeno cochilo. Boa noite, Shikaya. Até outro dia.

obs:

Era um domingo qualquer de inverno, e cinco anos haviam se passado desde o dia aqui descrito. Shikaya tinha seus oito anos de idade e, na época, o inverno vinha sendo o mais excruciante que agora presenciara. Neve cobria as árvores. O verde das gramas havia cedido lugar a branca algidez da neve. Fora proibida de sair de casa enquanto o tempo não demonstrasse mudança. Sua distração poderiam ser os livros, mas menos de um minuto depois já havia descartado tal possibilidade. Havia devorado todos os que pairavam sobre a estante do quarto. — Tá, hm... vou tentar algo diferente.

Abaixou o corpo, apoiando ambas as mãos sobre o tatame de palha de arroz que havia em seu quarto. Com o corpo em horizontal em relação ao solo, manteve tanto as pernas quanto os braços completamente esticados, estando agora na posição de flexão. Nunca havia realizado tal exercício, mas ouvira, há algum tempo, shinobi mencionando que aquele simples exercício era um bom método de aumentar a força física. Sem aviso prévio, a jovem dobrou os cotovelos, enfim dando início ao treinamento. O cérebro da garota é forte, mas o mesmo não podia ser dito acerca de seus braços. E logo ela mesma viria a perceber isso.

Os braços franzinos se demonstravam como sendo quase incapazes de suportar o peso de seu próprio corpo. O ato contínuo de abaixar e levantar o tronco - dependendo única e exclusivamente da força nos braços para tal - foi capaz de cansar Shikaya em menos de cinco minutos. Sentia algo semelhante a formigamentos no bíceps, que se acentuavam e tornavam-se mais insuportáveis à medida que o tempo transcorria. Era bizarro, na verdade. Não se sentia completamente cansada, mas as dores nos braços eram tanta que, de alguma forma, o resto de seu corpo parecia clamar por misericórdia.

Não cessou, por mais que quisesse. Enquanto uma parte do cérebro suplicava pelo fim do treinamento, a outra - maior - sabia que aquela atividade seria talvez sua melhor maneira de passar o tempo, ao menos naquele monótono dia. Ao invés disso, manteve a infante obediência na tarefa, empurrando o solo para baixo e, em seguida, aproximando o corpo deste. — Não vou desistir, não vou. — disse, com a voz falha e cansada de uma criança que estava quase em seu limite.

À essa altura as repetições do exercício já levavam bastante tempo. Trinta segundos para descer o corpo, mais trinta para levantá-lo. Os braços estavam trêmulos. A distância entre cada dedo das mãos era a maior possível, como se isso de alguma forma auxiliasse a garota a manter a dedicação no treinamento. Enfim parou o treinamento, mais por necessidade do que por vontade própria. Os braços doíam, mas o que mais preocupava a garota não chegava nem a ser isso. ' Droga.. O que eu vou fazer agora? ' Neste instante, ouviu três batidas na porta de seu quarto, sendo procedidas por um giro de maçaneta. À porta estava seu pai, com a última edição de um livro pertencente a uma série infantil. — Oh..Obrigada! — O tédio já não seria mais um problema, aparentemente. A dor nos braços não impedia a garota de mover os dedos para virar as páginas, não é?

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